As faces da língua


Usando a possibilidade das cores no quadro oferecida pela rede, fiz e publiquei no facebook um post que dizia: “Desintoxicando espaço: vendo cacareco de toda espécie sem identificação prévia. Quem der o lance mais alto leva”.
Acreditei ter dito que “Eu estou vendendo cacareco de toda espécie e QUEM der o lance mais alto leva”.
Como ninguém riu do que eu produzi achando [eu] que estava fazendo uma piada rasgada de estraçalhar (mas chiste em psicanálise é coisa séria), perguntei a um parente internauta (que não se debruça como eu sobre nem trabalha com teoria de linguagem) por que meu post não fora tomado como engraçado por ninguém.
E a resposta dele me surpreendeu e me ensinou muito (ou me alertou sobre um descuido básico que cometi): “tua linguagem está muito fora do padrão do face, onde as pessoas estão acostumadas a ler e a rir de bobagens, e bobagens ditas em linguagem bem simples”.
Mas, quando lhe expliquei o que pensei ter dito, ele refinou a resposta, foi quando então entendi: “quem lê teu post pensa estares dizendo que ‘ESTÁS VENDO’ cacareco de toda espécie sem identificação prévia. Quem der o lance mais alto leva. Não vão nem considerar o verbo DESINTOXICANDO e seu complemento, pois é muito técnico, por isso o post pode ter dado a impressão de esquisito, sem sentido”.
Ora, em outras palavras, ele me explicou que as pessoas estão acostumadas a ler post com verbo no gerúndio como um flagra de uma ação que estão vivenciando momentaneamente no face, por isso o verbo VENDER pode ter sido interpretado como o verbo VER, ou seja, eu teria escrito o gerúndio de VER = vendo/olhando/observando e não a primeira pessoa do singular (no presente do indicativo) do verbo VENDER = eu vendo/eu estou vendendo.
Foi só aí que percebi o quanto minha linguagem estava ambígua (e eu muito cega para essa possibilidade básica, naturalíssima, da língua, uma falha crassa de quem se pensa linguista) e o quanto todo meu esforço humorístico (quando elaborei o post eu mesma ri várias vezes) foi pro beleléu!
Mas, para pôr à prova toda essa reflexão, repostei o post, pondo, no lugar do verbo em primeira pessoa “[eu] vendo”, a locução verbal presente do verbo vender “Estou vendendo”.
Resultado: levaram o post a sério! Recebi pedido de mais informação ‘in box’.
Concluo chorando que não nasci para fazer rir!

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